sábado, junho 30, 2007

ESPRESSO COM CHANTILLY

Nestes últimos dias viajei muito e não tive muito tempo para o nosso blog. Mas consegui ver, nas madrugadas insones, alguns filmes muito interessantes. Vou comentar dois para vocês como um "espresso", extraindo a essência, mas colocando um pouquinho de chantilly, claro.

LINGUA, VIDAS EM PORTUGUES - Documentário obrigatório para todo professor de português. Deixe de lado uma ou duas aulas de grámatica e passe este filme para os seus alunos, em duas sessões. Para facilitar já autorizei as funcionárias do Paris Cinema e Café para concederem uma locação bônus para o professor que locar este filme. Quer dizer, ele paga a primeira locação e a segunda é grátis. Isto porque são necessários dois períodos para ver o filme e debate-lo com os alunos. O filme tem 105 minutos de duração. Se a biblioteca da escola não está totalmente falida e tiver interesse em comprar Linguas, pode encontra-lo por um preço bem acessível nas livrarias de Porto Alegre. Mas tem mais. Não é um filme só para professores de portugues e seus alunos. É um documentário muito bom para qualquer um que tenha afinidade com nossa língua. Os depoimentos de José Saramago e João Ubaldo Ribeiro são maravilhosos. José Saramago sentado a beira do Tejo comenta que sempre há uma brisa naquele local, mas quando o sol se põe, " - Sei lá porque razões, se apenas uma coincidência..ou não, a brisa para". Você se sente na intimidade do grande escritor, ouvindo banalidades..mas banalidades poéticas. Saramago defende que existe apenas uma lingua portuguesa, mas falada de diversas formas. Já João Ubaldo Ribeiro, nas suas saidas para os botecos do Rio, com sua jovialidade, diz que o português brasileiro vai acabar se transformando numa outra lingua, o brasileiro. Ubaldo diz que o portugues no Brasil esta cada vez mais copiando o ingles nas suas construções verbais. Os jovens já usam coloquialmente os tempos verbais ingleses traduzindo os "I will go" e outras formas para o portugues. Já Saramago diz que a linguagem hoje é muito menos rica do que era antes. Um povo para transmitir seus conceitos o faz com mais clareza quanto mais rica for a linguagem e isto está se perdendo. É, por outro lado, emocionante ver um grupo de brasileiros de origem japonesa conversando em um bar de Tóquio. Eles em tudo, na aparência, no gestual são japoneses mas quando falam só se referem ao Brasil e quando alguem pergunta por que, um deles responde "-Somos patriotas". E tem mais.. tem Martinho da Vila num depoimento simples e sensacional além de cantarolar alguns versos dos seus sambas. Martinho, na contra corrente de ações de discriminação positiva, tipo a da UFRGS com suas quotas raciais, fala do Brasil moreno, no Brasil da miscigenação racial. E o grupo português Madredeus com sua apresentação nas praias do Rio de Janeiro. E um grupo de sapadores formado por outrora inimigos, procurando minas em Angola. E depois de limpa uma pequena área, fazem o que? Um jogo de futebol na área antes minada. Como já disse. Não percam.

UM BARCO E NOVE DESTINOS - Saiu finalmente em DVD este filme de Alfred Hitchcock baseado em uma estória de John Steinbeck. O título em ingles é Lifeboat e conta a estória de um grupo de naufragos de um navio de passageiros afundado por um submarino alemão. Hitchcock, como sempre, consegue fazer maravilhas filmando um único cenário, o bote. Muitos diretores fizeram isto mas sempre se valem de flashbacks e outros truques para variarem o cenário. Hitchcock não. É o bote, e só no bote. Ele consegue fazer o milagre de fazer cenas intimas, separando ambientes onde não existem ambientes separados. O filme foi feito em 44, no final da guerra. O grupo no bote é o mais diversificado possível. Uma sofisticada repórter que mantem seu casaco de vison até a metade do filme, um maquinista comunista tatuado com as iniciais de suas dezenas de amores, um capitalista dono de várias industrias, um negro que era um serviçal no navio, uma enfermeira e inclusive acabam ganhando um companheiro inesperado - o capitão do submarino alemão que também havia sido afundado. Todos se revoltam contra ele. Hitchcock maneja com tal habilidade que com naturalidade o alemão inimigo chega a assumir a posição de liderança. Por falar em liderança o mestre dá uma aula sobre as situações em que estas emergem. O primeiro a tomar posição de mando no bote é o capitalista, dono de fábricas, acostumado a mandar, faz o que está acostumado a fazer. A situação é diferente. A exigência é para outro tipo de lider. O maquinista comunista, como não poderia deixar de ser, imediatamente se insurge contra o auto-proclamado lider e impõe a sua liderança. Ele é o mais forte. Ninguem o contradiz. Mais tarde, enfrentando uma tormenta, todos se desesperam, quando uma voz diferente começa a dar ordens em ingles, é o alemão. Fulano cuide da comida, não deixe ir para o mar. Vocês tirem a água do barco e uma saraivada de ordens mais. Naturalmente ele assume a liderança. É a liderança do conhecimento, a que mais eles precisavam, aliada ao cacoete do comando que obviamente o capitão do submarino possuia. E segue com Hitchcock procurando mostrar as mudanças de comportamento de todos os ocupantes do barco. Filme em preto e branco com excelente fotografia.

Fico por aqui. Espero que tenham gostado do nosso espresso doppio e até a próxima postagem.
JOAO UBALDO EM "LINGUA, VIDAS EM PORTUGUES"

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