quinta-feira, março 08, 2007

O ANO EM QUE MEUS PAIS SAIRAM DE FÉRIAS


Como já disse aqui diversas vezes eu tenho certas dificuldades com o cinema nacional. Acho até que a culpa é mais do cinema nacional do que minha. Esta dificuldade aumenta quando se trata de filmes que envolvam movimentos de esquerda seja durante a "redentora" (a revolução de 64 para os mais novos) ou outras situações similares. Em 64 eu era um jovem que via a ditadura militar, como vejo até hoje, como uma agressão à democracia e um período inaceitável de nossa história. Por outro lado, ao contrário do que se quer fazer parecer, os líderes que levaram a juventude à luta armada, Marighela e outros, não tinham em vista um regime democrático, mas uma ditadura comandada pelo outro lado. A democracia de um partido único como li um dia destes um cubano, dono de um bar em Porto Alegre, se referindo elogiosamente ao regime da pobre ilha. Assim foi com Olga, um melodrama altamente tendencioso que transforma uma espiã russa em heroína da democracia brasileira. Algo parecido também com o filme sobre Lamarca. Todos elogiadíssimos por aquela parcela da crítica que tenta nos vender uma peixe que já apodreceu em todo o mundo. Então foi com esta, digamos, prevenção que assisti O Ano Que Meus Pais Saíram de Férias. Fui surpreendido. O filme é muito bom. Milagre dos milagres - tem roteiro. O título talvez deveria ser diferente porque não tem como não lembrar Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios de Emir Kusturika e estabelecer uma relação. Não existe esta relação. A estória é original e emocionante. O pano de fundo é composto por duas situações marcantes - o recrudescimento da repressão durante o governo Medici e a Copa do Mundo de 70. Ambiente, aliás, que remete à outro filme nacional - Pra Frente Brasil. Mas no filme do diretor Cao Hamburger, que havia feito antes o excelente Castelo Ra-Tim-Bum, a revolução é realmente apenas um pano de fundo. A estória é de um menino de 12 anos, Mauro, representado de forma emocionante pelo jovem Michez Joelsas, cujos pais, fugindo para a clandestinidade, o deixam/abandonam no apartamento do avô, Mötel, um barbeiro judeu interpretado por Paulo Autran. Interpretação muito breve, vista apenas num flashback, pois Mötel já está morto quando Mauro chega a seu apartamento. O vizinho do falecido Mötel, Schlomo, que desempenha as tarefas de auxiliar do rabino, é convencido a cuidar de Mauro. "- Jeová o deixou na sua porta por alguma razão", diz o rabino. O filme é todo apresentado a partir do ponto de vista de Mauro, vivendo em meio aos costumes de uma comunidade judaica os quais lhe são completamente estranhos. Apesar dos pais serem judeus não praticavam o judaísmo. Mauro não é nem circuncidado como Schlomo percebe num momento em que Mauro, sem poder entrar no banheiro, "rega" as folhagens do apartamento. "- Ainda por cima é um goi". No meio de todos os ritos estranhos ele conhece uma extrovertida menina, Hanna, a qual tiraniza os meninos do grupo e que acaba se mostrando numa companheira extraordinária. Hanna tem um poder sobre os meninos. Ela detém as chaves de um compartimento do qual se enxerga as cabines de vestir da loja da mãe de Hanna. O futebol está sempre presente. Nas transmissões da copa, no jogo de futebol entre judeus e italianos, nas peladas dos meninos, onde Mauro assume a posição do goleiro - aquele que não pode falhar segundo seu pai. Solidão do garoto no ambiente estranho - solidão no jogo de botão - solidão do goleiro. Muito psicológico.
Resumindo, o filme é muito bom. Recomendo sem reservas. É uma alegria ver que tem gente fazendo alguma coisa boa no cinema nacional. Devo destacar que este é um dos filmes que eu não pensava em comprar mas que obteve uma boa votação em nosso orçamento participativo. Meus agradecimentos aos eleitores.
Até a próxima postagem.

TRAILER

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