quarta-feira, maio 04, 2011

O ACADÊMICO T. LISENKO

Continuando a publicação de postagens mais antigas trago esta que eu acho muito divertida.

ANTES DO ANOITECER E O ACADÊMICO T. LISENKO (28/03/2007)
Quando eu estudava agronomia lá pelos anos 60 se falava muito num gênio agrícola russo chamado T. Lisenko. Eu tenho até hoje uma brochura em espanhol de T. Lisenko, La Nutricion de Las Plantas Através del Suelo, tradução de um trabalho publicado na Rússia em 1955. A gurizada da agronomia cultuava T. Lisenko porque ele havia conseguido levar para a agricultura os principios basilares do marxismo. Ele não era nem agrônomo nem biólogo, aliás não tinha formação científica nenhuma mas apreciava ser chamado "acadêmico", o que queria dizer mais ou menos coisa nenhuma. Apesar da falta de formação acadêmica o acadêmico T. Lisenko criou algumas teorias agrícolas que influiram decisivamente na agricultura soviética. Os argumentos que ele costumava usar eram de extrema precisão científica. Seu método científico se resumia á uma frase repetida centenas de vêzes em seus trabalhos e seus discursos "- Como todo mundo sabe...", ou então, quando os resultados não eram os previstos " - Por desgraça não aconteceu o que esperavamos" Sobre Darwin e Malthus - "- A lei da vida das espécies descoberta por Darwin está em rotunda contradição com o esquema reacionário de Malthus mas que foi, erroneamente, aceito por Darwin. Nossa doutrina (reparem - doutrina) michuriana já rebateu há muito o esquema errôneo de Malthus. Quero declarar desta tribuna que os biólogos soviéticos que ainda insistem na falsa tese weismanista de superpopulação dentro de cada espécie e a luta e competição entre os individuos da mesma espécie, são, queiram ou não, inimigos teóricos da plantação em covas concentrada" O que é que os biólogos inimigos diziam? Que as plantas competem entre si, mesmo as de mesma espécie. O que, parafraseando T. Lisenko, todo mundo hoje sabe. Mas o acadêmico T. Lisenko não concordava com isto. Ele queria aplicar os principios marxistas à agricultura. O povo não compete entre si. O povo trabalha unido para alcançar o bem comum. Assim as plantas também deveriam fazer. Dizia Lisenko "- Em realidade, todo mundo sabe que esta competição (entre seres da mesma espécie) não acontece nem na natureza selvagem nem na agricultura" e, completando o discurso "- Em nome dos que se dedicam à ciência agrícola me atrevo a assegurar aqui ao Partido Comunista e a seu Comite Central, ao Governo Soviético e a todos os presentes, que nós nos esforçaremos para acabar com os adversários de nosso trabalho..". O acadêmico T. Lisenko conseguiu alcançar este último objetivo. Convenceu Stalin, outra pérola, que os cientistas russos que defendiam aquelas teorias contra-revolucionárias eram, se já existisse o termo, agentes do imperialismo. Stalin agiu da sua forma costumeira. A concentração de agrônomos na Sibéria aumentou consideravelmente. A aplicação das teorias do acadêmico T. Lisenko resultou, como todo mundo sabe, na catástrofe da agricultura soviética. O que é que podemos aprender com isto? A ciência nem sempre pode ser submetida à principios políticos. Podemos e devemos estabelecer principios éticos que norteiem a pesquisa científica mas submeter a ciência a conceitos políticos ou religiosos é uma forma segura de não progredir. Mas isto não ocorre só na ciência. Um amigo meu viu na TV o filme Antes do Anoitecer que narra a vida do poeta cubano Reinaldo Arenas e me falou tão bem do filme que resolvi comprar o DVD e assistir. Uma frase inicial do filme me trouxe a memória o acadêmico T. Lisenko, "- Os poetas são um perigo para a revolução". Eu poderia acrescentar - Como todo mundo sabe os poetas são os inimigos da revolução". De saida percebi que estava vendo os mesmos conceitos. Ao invés da ciência, agora era a cultura, a poesia. Não é que Reinaldo Arenas escrevesse poesias contra o regime, ele apenas fazia poesia. Mas a poesia tem o inconveniente de fazer as pessoas pensarem. A nossa gloriosa se preocupou muito com isto, estão lembrados? Caetano, Chico, Vandré e tantos outros. Para ver que não é prerrogativa de ditaduras de esquerda. É prerrogativa de ditaduras.. ponto. Reinaldo Arenas era também homosexual. O filme mostra que no primeiro momento a revolução produziu uma tremenda liberação sexual. Uma cena do filme, onde um grupo de soldados encontra um grupo de homosexuais num acampamento, é surpreendente. Quando o esperado é uma cena de pancadaria acabamos vendo uma enorme orgia com a participação dos soldados. Mas quando a revolução avança vem a repressão. Estabelecidas as verdades fundamentais, identificados os inimigos do povo, os agrônomos que eram contra o acadêmico T. Lisenko na Rússia, os estudantes, músicos e poetas no Brasil, os poetas e os homosexuais em Cuba, ai vem a repressão, a eliminação. Não pode haver o contraditório, o coaxar uniforme é necessário para qualquer regime de excessão que se preze. Antes do Anoitecer foi escrito e dirigido por Julian Schnabel, que havia escrito e dirigido Baschiat. Reinaldo Arenas é interpretado por Javier Bardem de forma magnífica. Existem participações muito especiais de Johnny Deep e Sean Penn, este absolutamente irreconhecível. O filme foi baseado num livro autobiográfico do próprio Reinaldo Arenas. No livro Arenas se prende mais a sua situação de homosexual na ilha, suas aventuras eróticas e a violenta repressão que sofreu. O filme politiza mais a estória e mostra Reinaldo como um participante da revolução logo no seu inicio vitorioso e depois como um escritor premiado que as poucos vai sendo colocado como inimigo do regime.
É um filme muito bom. A cópia em DVD é de alta qualidade. Recomendo para todos independente de posição política. É bom saber que as vezes estamos do lado de cá e de repente, sem percebermos, nos colocam do lado de lá.
Até a próxima postagem

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