domingo, maio 03, 2015

ORSON WELLES - CEM ANOS DE UM GÊNIO

Daqui a 3 dias, cem anos de Orson Welles. A maior homenagem poderá ser, ainda em 2015, o lançamento do filme The Other Side of the Wind. Orson Welles trabalhou seus últimos 15 anos neste filme sem conseguir completá-lo. Ele dizia que seria o melhor filme de sua vida. Nada fácil para quem fez o Cidadão Kane. A busca da perfeição para alguns é relativamente simples, para um gênio é muito difícil.
Há algum tempo contei uma historinha aqui no blog sobre um filme que contava uma história de uma das muitas rebeldias de Orson Welles. Lendo hoje acho que está muito extenso, mas vá lá, republico.
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Encontrei o Cineman e o Economista Acidental (ele me pediu que trocasse seu "alias" para evitar questões de direito autoral) tomando um espresso no local de sempre. O Cineman fumava o seu puro do mês (segundo ele, fumando apenas um charuto a cada trinta dias,ele vai ter um câncer de boca lá pelos 130 anos). Eu havia acabado de ver o filme O PODER VAI DANÇAR e estava curioso para saber a opinião do meu guru da sétima arte. Quando coloquei o tema em discussão, o Economista saiu na frente.
"- É um ótimo filme mas, acho que o Cineman vai concordar comigo, antes de qualquer coisa precisamos analisar o ambiente econômico da década de 30, que é quando se passa o filme."
Olhei para o Cineman e ele assentiu com a cabeça, concordando. O Economista Acidental continuou.
"- Que época foi esta? A grande depressão americana. Milhões de desempregados, pessoas literalmente passando fome nas ruas, ausência total de perspectivas. As diferenças sociais atingindo o mais alto nível da história americana. Puro caos econômico e social"
"- Assunto bem atual, então?" arrisquei.
O Economista não deu a mínima bola para o meu comentário anti-neo-liberal e continuou:
"- O governo montou um plano para criar empregos e, como subproduto, impedir o crescimento de idéias estapafúrdias, como criação de sindicatos de trabalhadores, partidos comunistas e outras que tais."
O Economista Acidental continuou.
"- Uma das medidas que o Governo tomou, e que aparece no filme, foi a criação do Federal Theatre Project. O objetivo era levar o teatro para o povo e, através da velha fórmula do circo, já que o pão estava faltando, reduzir as tensões sociais. Mas existiam, também, as razões econômicas. O Federal Theatre pretendia criar emprego para os artistas desempregados e para qualquer um que achasse melhor subir num palco do que se dedicar a artes menos nobres e mais exaustivas."
Nesta altura, puxei uma cadeira e pedi um latte. A conversa ia longe.
Era a vez do Cineman trazer o assunto de volta para o cinema.
"- Eu gostei que o Tim Robbins, apresentou um grande número de personagens reais misturado aos personagens ficticios. A diretora do Federal Theatre no filme, Hallie Flanagan, é um personagem real e ela teve mesmo que depor na Comissão do Senado que investigava as atividades comunistas. O presidente da Comissão do Senado, que aparece no filme, Martin Dies, também é um personagem real. O filme apresenta muito claramente a convicção do senador, com alguma razão, que as artes em geral e o Federal Theatre em especial, eram um reduto de vermelhos."
" - Este era o ambiente. Recessão e agitação social. Fundamental saber disto para entender o filme", completou o Economista Acidental.
"- Mas aí vem uma parte muito boa que não aparece no filme", disse o Cineman,"- Bertold Bretch, ele mesmo, já não se sentindo muito a vontade com Hitler, vai ao Estados Unidos procurando alguém para traduzir suas obras para o inglês. Uma das tradutoras com as quais ele mantem contato é Eva, mulher de Marc Blitzstein. Soou a campainha? Já ouviram este nome?"
Fui realmente surprendido. Lembrei que Marc Blitzstein aparece no filme como o compositor da peça de teatro que é o tema central do filme. Mas não podia ser.
" - Ei, este Marc é o mesmo que aparece no filme como compositor do The Cradle Will Rock?"
"- Ele mesmo," continuou o Cineman," - Marc tinha escrito uma pequena peça sobre uma prostituta - "Nickel Under the Foot" - e a executou para Bretch. Agora não percam esta. Bretch gostou mas sugere para Marc que ele amplie o tema e escreva uma peça sobre a prostituição em geral, nos negócios, na política, na igreja, nas artes. Marc compra a idéia e escreve The Cradle Will Rock - O Poder Vai Dançar. A peça de 1936 e agora o filme do Tim Robbins, baseado na peça"
" - Marc escreveu a peça em pouco mais de cinco meses." continuou o Cineman. "- Quando tentou encontrar um diretor e um produtor não achou ninguém. O Senado estava pegando pesado e o conteúdo do The Cradle Will Rock era provocador. Até que um jovem de 21 anos, ele mesmo, outro personagem real que aparece no filme - Orson Welles - decide dirigir. Orson chama seu produtor, John Horseman, também no filme e também personagem real. Os dois resolvem levar o projeto adiante."
" - O filme apresenta o muralista mexicano Diego Rivera pintando um mural no Rockefeller Center, acho que foi um artificio que o Tim Robbins usou para mostrar como estava a classe alta", disse tentando mostrar que as conversas com o Cineman já estavam me fazendo ver as sutilezas de um filme.
" - Pois Tim Robbins usou um fato real para apresentar este contraponto", continuou o Cineman, " - Diego Rivera, o muralista e comunista mexicano, pintou realmente um mural no Rockefeller Center. E o mural foi realmente destruido porque o Diego, completamente fora da casinha, resolveu pintar um retrato do Lenin no meio do seu mural"
" - Bom, se é por isto o Rockefeller também estava fora da casinha para contratar o comunista Diego para pintar um mural na catedral do capitalismo." disse o Economista Acidental com uma risada. " - Vocês viram que a Frida Khalo, também aparece no filme. Está perfeita. Mas já que vocês falaram na classe alta, mais economia. Um personagem real que aparece no filme é o William Randolph Hearst, barão da imprensa.."
" - Este Hearst é o mesmo que o Orson Welles vai se basear, sem muita sutileza, para fazer o Cidadão Kane." interrompeu o Cineman.
" - Este mesmo", completou o Economista, " - O filme mostra que ele indiretamente, melhor, diretamente, financiava o fascismo de Mussolini comprando a peso de ouro obras renascentistas."
" - A personagem que a Susan Sarandon interpreta, uma ex-amante de Mussolini que funciona como uma espécie de embaixadora, Margherita Starfatti, também é uma personagem real.", disse o Cineman esticando o pescoço para nos livrar da espessa nuvem de fumaça que ele soprava." - Mas voltando a classe baixa, estamos na data de estréia. Preocupadas com o material altamente subversivo da peça, pelo menos na cabeça deles, as autoridades determinam o fechamento do teatro onde ela vai ser apresentada. Para completar baixam uma ordem, proibindo que qualquer artista subisse no palco, qualquer palco. Orson Welles, que sempre foi gênio, organiza uma passeata pelas ruas de Nova Iorque em direção à um outro teatro. Da passeata participam todos os artistas, familiares, pessoas que tinham aparecido para a estréia e agitadores em geral. Nota.. a passeata do filme realmente aconteceu e o show todo é considerado, até hoje, como uma das maiores estréias do teatro americano. O que aconteceu? Exatamente o que aparece no filme. Marc Bletzstein sozinho no palco, com seu piano, começa a executar o primeiro tema, o da prostituta. Quando Marc começa a cantar, sem melodia alguma, a artista que interpreta a prostituta, Olive Stanton, no filme Emily Watson - ótima - levanta na platéia e começa a cantar a sua parte. E ai acontece. Todos os artistas, da platéia mesmo, vão se levantando e conduzindo a peça, em sua plenitude, até o final. Um happening."
Foi este o nosso papo regado a bom café. Está contado todo o filme mas o próprio Cineman me assegurou que não há nenhum prejuízo, pelo contrário. Tem ainda o personagem interpretado por Bill Murray, um ventriloquo, que sozinho vale um comentário. Vejam o filme. Emocionante e educativo. Ainda mais porque, de todas as crises do capitalismo, a atual é que mais se aproxima da Grande Depressão.
Até a próxima postagem.

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